
Cena 1: Despertar
Acende a luz. Do relógio que ganhei ao apogeu de uma infância que acabou já faz alguns anos. Quando o relógio é de plástico, as pessoas não se preocupam em trocar as pilhas. O meu veio junto ao cereal, não pode se esperar muito dele. Acende a lamparina. Quando se trata de morar sozinho o sol pode ser a lamparina mais confiável. Fui até a janela abrir a cortina. Havia um pedaço de pizza no azulejo que tem contato com a parede. Ratos não perdem tempo. As vezes me questiono, o que eles fazem quando não cai pizza no chão. E, como se não fosse motivo de tanta mordomia da parte deles, quando trago uma visita, e esta pede um sabor que eu não gosto, e sobra, eles se recusam a comer aquele pedaço moribundo de Marguerita.
Acho que da para dizer que adoro minha janela. Ela é bem meiga do jeito que só ela sabe reflectir a policromia emitida pelo sol. Adoro colocar a cabeça pra fora da janela, com a esperança de uma pomba defecar na minha cabeça, mas ninguém tem sorte com o azar, quando quer. Principalmente quando se trata de gravidade. O pessimismo da sorte de certa forma. Já pensei varias vezes em me matar, mas sinto preguiça. Então pensava em como seria agradável sofrer um acidente com as coisas ao redor, é um bom passa-tempo, quando se é criativo,claro. Claro de mais. Vou tomar um banho. É sempre uma surpresa descobrir com qual cor a água vai sair. É vai essa. Nirvana, nirvana, é isso ae.
Olhando assim, minhas olheiras não estão tão fundas, o cinza faz um contraste interessante com a cor do meu olho, aquele me faz lembrar um céu chuvoso, e uma pomba que se recusou a defecar em mim. É sem duvida, já cansei de tentar contar as possíveis cores de pombas que vejo só na praça da Bispo. Pobres pombas, não sofrem com o calor? É isso não me interessa muito agora, estou com um gosto desagradável na boca. É a gente perde o prazer de comer Tande e passa a beber álcool. Será que alguém já usou álcool em gel como pasta de dente? Deve ter ocorrido em um processo transitivo não? Olha ali minha caixinha de pilulas! É, é, meu filho, como dizia Freud, nada que um Prozac não de um geito. Agora que sei que estão ali, posso tomar meu banho em paz.
Uma parede de azulejos. Um sabonete liquido. Uma agua trincando de gelada. E um solo do Steve Vai. É tudo que uma garota precisa pra começar o dia. Ou não. "Mãe, o azulejo 'tá quebrado..." Aé, ela não 'tá em casa. Me faz lembrar, preciso ver o que é que 'tá no meu armário, se debatendo. Mas isso é pra depois do banho. Talvez. É a agua hoje é importada. Chega de uma cor. Sai de outra. "Chiquézimo" Vem clarinha, depois entra no ralo vermelha. Nos cobram impostos por causa de algo desse tipo.
Uma toalha pro abdómen. Uma toalha para o cabelo. Abre a gavetinha da pia. Hum. 'Tava vazia a caixinha de remédios. Traída por uma embalagem de plástico. Interessante. Agora só falta a pomba. Cade a pomba. Olho pra minha cama. Ela ta toda suja de sangue. É, cara, usar roupas de couro, tocar guitarra, e ter um piercing no mamilo, não te faz menos mulher, biologicamente.
Só de sentar nessa cama, me da vontade de ter dormido nela na ultima cesta. É cara. Tudo que me resta fazer agora. Acender um cigarro. Vestir algum traje. Ouvir um concerto de Mozart in C Minor. E me perguntar, "E agora José? A festa acabou?"
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